Este será um texto um pouco mais longo mas considero que a ideia aqui expressa é FUNDAMENTAL para entendermos melhor o ocultismo e sua contraparte, o espiritualismo. Este texto possui ideias que foram previamente estabelecidas em outros textos e sugiro que estes sejam lidos para melhor compreensão do mesmo. Os links estarão no fim da postagem. Peço que leiam com cautela e atenção e, se necessário, que volte a visitar esse texto quando necessário.

Já estabelecemos, com o progresso das nossas investigações (ver leituras recomendadas no fim do texto), que crenças são aquele conjunto de conhecimentos e informações que não são factuais, não são verídicas, agora vamos parar para entender um pouco mais a fundo as implicações disso.


 Antes de mais nada vamos imaginar um rapaz em uma sala. Digamos que esta seja uma sala completamente branca com vários objetos, também completamente brancos, dispostos pela sala. O rapaz observa a sala, e os objetos que lá estão, em sua natureza, de cor branca. Agora nós daremos óculos de lentes avermelhadas ao rapaz. Ele, então, ao invés de observar de forma desimpedida a sala em sua cor natural, branca, a vê em um tom avermelhado, por conta dos óculos. Agora digamos que o rapaz se esqueça do fato de estar utilizando estes óculos de lentes avermelhadas. Ele, então, se leva à ilusão de que a sala que ele observa é de fato avermelhada e não que isso é uma mera consequência da distorção provocada pelos óculos. Assim ocorre com as crenças. Como no exemplo do rapaz nós observamos o mundo, tal como ele observa a sala. No entanto nossa ótica pessoal e nossas crenças distorcem nossa capacidade de observar àquilo que é factual, tal como os óculos de lente avermelhada distorciam a visão do rapaz. Ótica é como chamo a capacidade de observação de um indivíduo. Nossa ótica é muito facilmente distorcida por crenças, opiniões e sentimentos, nos impedindo de ver a verdadeira natureza do mundo que nos cerca. Assim como o rapaz nós muito facilmente esquecemos que estamos usando óculos de lentes avermelhadas, que temos nossa ótica distorcida, e isso leva à nos iludirmos e isto causa erros de compreensão. Atentando-nos a esta questão podemos entender melhor o fato de que as crenças e opiniões estão no indivíduo, e não nas coisas. Crenças são pessoais.

Para entendermos a função das crenças precisamos ver o que se deriva destas. Crenças estruturam um corpo de ideias que adotamos. Essas coisas que tomamos para nós como crenças nos servem de inúmeros fins. Moralidade, como um exemplo de crença, nos liga a ideias de conduta e estas nos servem para nos guiar de forma a obtermos certa felicidade nas nossas vidas e nos nossos atos. Nossa crença sobre aquilo que é bom e/ou ruim também se ligam a ideia de moralidade e nos direcionam para o mesmo fim, felicidade. Sei que é bom aquilo que eu acredito que é bom. Aquilo que é bom é bom para mim e, por isso, me atrai. O contrário ocorre para aquilo que é ruim. Isso estrutura seus gostos e desgostos. Gostos e desgostos lhe oferecem prazer, que resulta em felicidade, mesmo que momentânea. No fim temos que o conjunto de crenças estruturam o que podemos chamar de personalidade.

A personalidade é composta por crenças mas é, também, influenciada por emoções. Veja que crenças desprendem-se da necessidade de serem factuais, e, portanto, verídicas, logo elas não tem a necessidade de serem lógicas ou racionais, portanto tem um cerne passional. Isso se valida através da noção de felicidade e prazer que as crenças nos provêm. Estes são sentimentos, portanto são táteis, logo são, por natureza, irracionais. Logo, crenças são passionais. A personalidade é estruturada por crenças e, portanto, também é composta por sentimentos.

Temos então que crenças estruturam a personalidade, e esta é influenciada por sentimentos. Crenças oferecem, em instância última, felicidade para o indivíduo. Crenças dão ao indivíduo um cerne moral. Crenças estruturam como o indivíduo percebe e interage com o mundo ao seu redor. Sentimentos movem o indivíduo e guiam sua personalidade. A este conjunto de coisas chamo Espírito.

Quando me refiro à espírito não quero implicar com isso um significado metafísico de qualquer tipo. Se há algo que seja referente ao metafísico e que se confunda com espírito esta coisa deve ser chamada de alma, que teria as características de perenidade, extra-corporiedade (que está fora, ou além, do corpo) e o que mais preferir atribuir a tal. O espírito confere a vivacidade e as disposições (crenças e humor) com a intenção última de alcançar a felicidade plena.

O espirito é a parte do indivíduo que busca experienciar a vida e lhe garante prazer durante tal processo. O espírito se deleita ao se aprofundar em uma crença, ao se bem-fazer de um cerne moral, ao viver de acordo com as virtudes as quais o indivíduo é adepto. No fim o espírito se faz de crenças e como estas não são necessariamente verídicas ele se satisfaz com o puro gozo de simplesmente tê-las, nelas acreditar e por elas operar. Para o espírito tudo que o leve a felicidade é válido. A sua moralidade é relativa somente à si mesma.

Dessas atribuições retiramos, então, do que é feito as crenças, o que isso implica e também identificamos aquilo que podemos chamar de espírito. Sabemos, então, àquilo que é o fim do espírito, a felicidade, e podemos inferir, logicamente, a função daquilo que podemos chamar de espiritualismo.

O espiritualismo é a área de práticas, estudos e doutrinas que se interessa, obviamente, pelo espírito. Nessa área encontramos tudo aquilo que é referente a crenças (doutrinas religiosas, opiniões, suposições, impressões, gostos e desgostos, códigos morais e éticos), aspectos táteis e emotivos que tem como o fim o prazer último da felicidade plena. Como é composto de crenças, o espiritualismo pode ser completamente composto por suposições inverídicas. Isso implica que ele, assim como as crenças que o compõem, não são racionais ou lógicos. Suposições especulativas são mais que o suficiente, contanto que sirvam para o fim proposto, que é a obtenção da felicidade.

Podemos exemplificar isso através de um monge que vive sua vida a contemplar a natureza. Suas crenças não precisam ser validadas, pois elas se bastam. Suas práticas não precisam ter um fim outro maior, elas se bastam. O monge vive feliz e obtém a plenitude através da forma como vive. Isso é espiritualismo.
Outro exemplo, em contrapartida, seria o do cientista que se vê acordado noite após noite realizando suas pesquisas. Embora estas sejam comprovadas e de cunho racional a busca do indivíduo, suas práticas e até mesmo a noção ética de que "o acréscimo de conhecimento à humanidade é algo nobre" é algo derivado do espírito. Em sua busca frenética por conhecimento ele também se faz feliz. E isso é, também, espiritualismo. Como exemplos reais de tradições espiritualistas temos os diversos credos, as diversas religiões. O budismo, o cristianismo (em suas diversas variações), o judaísmo, o islamismo, etc.

O espiritualismo é tátil e ele se serve dos óculos de lentes avermelhadas constantemente. Se pretendes trabalhar as coisas a um nível factual necessitas entender que embora tenhas suas crenças e pratique algum caminho espiritualista, estes precisam ser postos de lado, postos em seu devido lugar, de forma a não obstruir sua ótica. Este é um dos obstáculos do ocultista.


Leitura prévia sugerida (em ordem):
[1] - FERREIRA, Vinícius, Comentários Vincunianos sobre o dito Ocultismo
[2] - LEMOS, Hugo, Da crença e da verdade
[3] - CARNAP, Rudolf, A superação da metafísica pela análise lógica da linguagem, tradução de William Steinle, do original "The Elimination of Metaphysics Through Logical Analysis of Language",
 [4] - WITTGENSTEIN, Ludwig, Conferência sobre ética, Tradução de Darlei Dall’Agnol, do original "Lecture on Ethics".
[5] - LEMOS, Hugo, Meditações I

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