O texto a seguir é da minha "Opera Magna" um livro que só pretendo publicar daqui a alguns anos(se publicar, pois se trata de um livro muito pessoal), trago aqui com certo receio, pois é uma obra ainda em construção. Trago para nível de reflexão textual aqui no grupo. O texto é simples e não segue os rigores acadêmicos, mas busca na medida do possível a clareza e a preocupação com a aprendizagem do leitor.




  Todo símbolo é, sem muito medo de equivocar-me, uma roupagem pela qual uma ou mais ideias ou objetos se expressam. Essas ideias cuja a fonte pode possuir ou não uma forma específica serão por mim chamadas de espírito. O espírito é então aquilo que é imanifesto em si mesmo, porém é manifesto quando apropria-se de um agente plástico. Um exemplo claro está sendo dado continuamente ao meu leitor por meio dessas palavras que utilizo para me expressar, essas palavras que não são a coisa mesma evocam as coisas para as quais servem de vestimenta.
  Quando falo de 'Justiça', por exemplo, devo atentar que aquilo que chamamos por esse nome não possui forma e não pode de modo algum ser comunicado, a menos que, este espírito seja revestido de um ou mais corpos para que seu sentido possa ser conhecido. O espírito da justiça é comunicado por meio de sua roupagem coma a grafia ou som de seu nome, desse modo, sempre que ouvirmos a palavra ou tomarmos alguma de suas manifestações visuais acabaremos por evocar total ou parcialmente os espíritos que nesses símbolos estão ocultos.
  Para um espíritos ser devidamente evocado, Tê-lo selado em uma ou mais símbolos não é suficiente, é necessário que ele esteja devidamente inserido em um sistema de símbolos concatenados, com efeito, se tomarmos por exemplo a palavra 'cadeira' sem tê-la inserido em uma rede de símbolos ela não terá nenhum significado, se por outro lado esta mesma palavra estiver dentro de um sistema ela passa a informar alguma coisa, afinal só posso evocar um espírito se já tiver dominado os espíritos que a ele são submissos, igualmente, só posso evocar e fazer uso do espírito da cadeira quando possuir o controle dos espíritos mais simples que a ela seguem, tal como o espírito de encosto, base e acento.
  Ainda nesse sentido, se eu quiser evocar o espírito do Sol quando seu objeto não estiver pairando sobre o firmamento, devo antes evocas os espíritos que lhe são subordinados, tal como os espíritos da luz e do calor ou de qualquer coisa sob o domínio do Sol ou que lhe dê significado. Desse modo quando percebemos que todos os espíritos se concatenam, percebemos que quanto maior o número de espíritos que dominamos, maior será a facilidade de dominar espíritos mais complexos, o que se deduz que o ocultista deve conhecer os espíritos mais simples para assim poder alcançar seus respectivos governantes e sobre eles exercer domínio, esse é um dos pilares do conhecimento, com efeito basta dominar o exercito para subjugar o comandante.
  Desse modo no que diz respeito aos espíritos que ainda não conseguimos dominar, basta que encontremos seus respectivos servos e tenhamos posse de seus selos para então através deles tomarmos o seu governante, vale ressaltar que muitos espíritos possuem mais de um senhor, e muitos senhores são servos de espíritos muito maiores. Como exemplo de um espírito com mais de um senhor temos o espírito da quentura, que serve ao Sol, ao fogo ou ao abraço. Como exemplo de espírito que é servo e senhor temos o Sol que além de dominar os espíritos por mim enunciados, ele é dominado por espíritos maiores como por exemplo o espírito de Estrela. Todos que ignoram essa regra de nossa linguagem nunca foram capazes de dominar grandes espíritos.
  Para aqueles que conseguiram a proeza de não compreender o que agora expus, é suficiente meditar sobre a sexta regra de Descartes.
  
[trecho removido por não acrescentar ao tema, apenas uma reflexão do método exposto como modelo para alcançar um espírito último e universal]
  Apesar de tudo o que foi dito, há questões que devemos atentar, uma é que um mesmo espírito pode usar inúmeras imagens para se manifestar, por exemplo o espírito da Justiça que pode se mostrar por meio da palavra escrita, falada, por ideogramas como é o caso da balança ou até mesmo sob a casca de uma deusa ou estátua, embora todas essas roupagens sejam diferentes, são passíveis de serem tomadas por um mesmo espírito. A segunda questão é que uma mesma roupagem pode ser dividida por inúmeros espíritos, como é um caso de um mesmo símbolo tem diferentes significados, como é o caso por exemplo da cruz que pode ser habitada pelo espírito de Cristo, com os quatro elementos da física antiga, com o simples cruzar de retas dos geômetras e até mesmo com o espírito da tortura talvez tenha atormentado homens de um passado distante. Dito isso concluo que um mesmo espírito não usa apenas uma mesma vestimenta e a mesma vestimenta não é usada por apenas um espírito. Sendo assim o ocultista hábil não julgará o espírito pela sua roupa, ele mostrará-se clarividente e verá através das aparências, isso se torna fácil empregando os saberes aqui expostos, pois esses espíritos costumam andar acompanhados de seus servos e é através deles que iremos identifica-los, é como dirá os populares "me diga com quem andas e te direi quem és".
  Compreendendo isso caro leitor, rogo-lhe pelo bom senso para que não copie as ações daqueles que falam mais do que sabem, como em sua maioria fazem os que se ocupam do comércio e da glória vã, pois devemos saber que o ocultista difere do copista, desse modo quando um estranho vier lhe oferecer um símbolo e lhe pedir para que seu espírito seja desvelado, cuide para não precipitar-se, com efeito uma mesma casca nem sempre terá um mesmo espírito. Desse modo, quando um Ankh for apresentado não se apresse em apontar um determinado espírito como seu hospedeiro, primeiro questione onde tal símbolo se inseri[...], se o interlocutor não for capaz de lhe informar isso e lhe passar somente o símbolo solitário deve-se então dizer-lhe a verdade, ou seja, que o símbolo é uma casca oca(um não-símbolo), ou então instrua-o para que possa por conta própria encontrar o espírito que ali repousa, com efeito, embora o símbolo seja o mesmo, o espírito em seu interior não será idêntico quando for observado dentro da mitologia egípcia e de uma linha new-age. Cabe então o ocultista investigar o inaparente(espírito) e torna-lo aparente, aqueles que se ocupam somente da vestimenta sem ocupar-se devidamente do espírito não são ocultistas.
  Devemos falar ainda de espíritos irmãos que podem vestir-se dos mesmos símbolos, partilharem entre si inúmeros servidores e terem ainda o mesmo nome(que é também um símbolo), não atoa que temos vários espíritos diferentes sendo tomados pelos desatentos como iguais. Podemos citar por exemplo os espíritos que atendem pelo nome de justiça, com efeito não há um único espírito para a justiça que seja universalmente usual, há inúmeras noções da mesma, partilhando os mesmos servidores, mas diferenciando-se na medida que os servidores divergem.
[...]

"Ordália" é um termo interessante usado por muitos para descrever, geralmente, as "dificuldades que um indivíduo começa a sofrer quando começa a andar em direção ao seu aprimoramento". É uma ideia interessante, embora possua uma carga de moral espiritualista, mas afirmo que ela é, em grande parte, válida. O conceito de "ordálias", no entanto, ainda carrega uma implicação consideravelmente "mistificada" e, por tanto, pretendo traze-la para um viés de compreensão mais claro, tal como fiz com a ideia de "kharma"[1].


"Ordália" se refere, dentro de uma perspectiva histórica, à um tipo de julgamento realizado, inicialmente, pela Igreja onde o indivíduo passa por uma provação de algum tipo para provar a sua resolução (a sua vontade). Dentro da ritualística de sistemas diversos temos exemplos do que podemos chamar de Ordálias formais (voto de silêncio, voto de pobreza, voto de castidade, etc.) mas vejo, no contexto atual, a ideia de Ordálias como sendo provações experienciadas pelo indivíduo por razões diversas, não tendo sido previamente estabelecidas (não sendo assim algo "formal") e sim como algo ocasionado por motivos outros. Acho fascinante essa noção, embora não atribua à ela nenhuma espécie de valor "místico" ou "mágico" ou qualquer sentido de "vontade superior" ou "respaldo kharmico do desenvolvimento da sua alma" (em verdade não sou adepto de nenhuma das ideias expostas nesta frase, kharma e "desenvolvimento da alma"). Por conta da natureza relacionada à um suposto respaldo à certas ações chamarei esse tipo de Ordália de Ordália Causal (referente à causa e efeito).

Para trazer a ideia de Ordália Causal para uma ótica mais clara precisaremos entender um pouco não só de processos sociais e humanos como também um pouco de física. Já que o nome dado é Ordália Causal precisaremos falar então, mesmo que brevemente, de Sir Isaac Newton, famoso cientista, físico e, também, Ocultista[2], e de suas famosas 3 Leis[3].

Começarei tratando dos elementos que compõem o quadro onde as Ordálias são percebidas, quando os elementos começarem a se dispor será possível entender como cada fração compõe o todo em sua forma e função. O primeiro elemento que precisamos entender é a Primeira Lei de Newton - o Princípio da Inércia. O princípio da inércia afirma que se a força resultante sobre um objeto é nula ele terá movimento (velocidade e direção) constantes. Ou seja, um objeto parado persistirá parado até que uma força aja sobre o mesmo e um objeto em movimento só mudará seu movimento se uma força agir sobre o mesmo alterando-a. Essa noção é importante, lembrem-se disso.

A Segunda Lei de Newton lida com dinâmica e vetores e diz que uma força aplicada sobre determinado sistema mecânico obtém um resultado (movimento) relacionado com a força e a direção da força que foi aplicada. A Terceira Lei de Newton é a clássica lei de ação e reação que afirma que toda ação sobre um corpo ocasiona uma reação de igual força e direção mas com o sentido contrário. Isso foi adotado de forma romantizada por muitas correntes místicas e espiritualistas como uma "comprovação mundana das leis kharmicas do universo" ou algo do gênero, e embora eu deva admitir que, de fato, também não irei me servir dessa noção dentro do seu âmago naturalmente físico também me afasto de romantizar sobre esta fascinante noção.

Agora trago à mesa também noções de sociedade e mundo. A ideia da manutenção do poder como sendo um fim almejado pelo estado para garantir a sua sobrevivência é algo que não é nem um pouco novo. A implicação disso é que o estado pode fazer o que for mas a predominância do status quo, da existência do estado e das coisas em um patamar neutro e agradável para a propagação do próprio estado, é uma condição desejável. O mesmo processo é visto em um corpo, que busca manter-se saudável para sua própria propagação. Não fosse assim o estado e o corpo se implodiriam na primeira oportunidade e isso, de fato, não ocorre. A manutenção do status quo, portanto, é fundamentalmente necessário para a existência e propagação dessas coisas.

Assim sendo consideremos consideremos a sociedade (o mundo) como um corpo em movimento constante, inercial. Esse movimento constante, assim como seu sentido, são àquilo que é previsto como sendo "normal" (status quo). Quando um indivíduo se torna capaz de realizar uma ação no mundo que é capaz de alterar a direção deste corpo, da sociedade (do mundo), este corpo tende à reagir para manter-se em sua posição constante e estável. Na sociedade e no mundo há um processo de busca pela estabilidade harmônica entre as partes, esse processo é visto na natureza selvagem com maior facilidade (mesmo considerando o processo de extinção de espécies e etc). Quando o sistema vigente é "desafiado" (tem seu paradigma alterado) ele tende à reagir em busca de retornar à seu estado de equilíbrio harmônico prévio ou adequar-se à nova realidade, equilibrando-se. Esse processo de retomada da estabilidade é, em diversos aspectos, similar à ação de um elástico, que tenta retornar ao seu estado, sua forma, de estabilidade prévia. Não sendo capaz ele se adaptará a nova condição (moldando-se, ficando mais folgado, ou mesmo rompendo-se, embora o rompimento, a quebra, não seja desejada pelo sistema).

Tendo então que a Ordália se dá através do processo de "desafio" ao paradigma vigente temos que entender agora a relação de causalidade que, justamente, entra na ideia de Ordália Causal. Ora, sendo que é necessário um corpo (um indivíduo) atuar sobre outro corpo (sociedade, mundo, etc.) de forma a alterar sua direção e este, o sistema alterado, buscará retornar a sua posição prévia de estabilidade (o movimento previsto pela trajetória inercial, estável, prévia, prevista pelo que é normal, pelo status quo) atuando (reagindo) sobre o corpo que iniciou a cadeia de alteração do paradigma do sistema. Vemos, então, como a Lei da Ação e Reação exposta por Newton se encaixa aqui. Podemos exemplificar isso com diversos casos:
Um rapaz não costumava se exercitar e ao começar ele passa por dores musculares que são típicas e esperadas. Isso pode ser uma "Ordália". A dor muscular serve como uma força de resistência à alteração do paradigma anterior (onde o rapaz não se exercitava) de forma que se esta, a  "Ordália", não for suportada (superada) o sistema logo regressará ao seu estado prévio de estabilidade, onde o rapaz não se exercitava, e se for superada o paradigma do sistema se moldará e haverá um novo sistema estável (onde o rapaz se exercita). Mas agora, então, além das dores musculares o rapaz se depara com mais um problema: seus amigos estão lhe chamando para sair. Ora, ele quer ir se exercitar mas ele também se vê desejoso de sair com seus amigos. Já que antes de ter a rotina de exercícios o rapaz tinha mais tempo, seus amigos o chamavam para sair com maior frequência, agora que parte de seu tempo, que antes era disponível, foi alocado à prática de exercícios há um choque por conta da alteração do paradigma. Os seus amigos, que aqui representam o sistema velho, persistem na busca pelo velho sistema estável, onde eles saiam com frequência e não havia esse tempo alocado à exercícios.

Esse tipo de Ordália Causal é a que é mais facilmente percebida e menos compreendida. Normalmente tendem à "mistifica"-la desnecessariamente. Se pequenos atrasos ocorressem no seu dia-a-dia e você não tivesse compromisso ou obrigação alguma isso não seria percebido como um problema. No entanto quando estas ocorrem em um dia, ou período, atribulado de afazeres mais sérios e comprometidos, ou que exigem maior esforço do indivíduo (normalmente mudanças de paradigma, comportamento e etc exigem mais esforço), estas são logo entendidas como sendo fruto de algo "místico", o que não é feliz. Se engarrafamentos acontecem de forma esporádica em determinada via em certos horários não vejo como ser possível, ou compreensível, atribuir à "forças místicas" a responsabilidade disso ocorrer justamente NAQUELE dia. Mas, ainda assim, consigo compreender a validade do conceito, embora recuse sua mistificação exacerbada.

Que fique claro que minha pretensão aqui não é a de impor nada, em absoluto, aqui, mas sim trazer uma reflexão e investigação que nos dê uma nova perspectiva acerca do assunto tratado. No mais, acredito que fui feliz em expor um contraponto ao entendimento do que seriam "Ordálias".

[1] - LEMOS, Hugo, Meditações I - Moral e Consequências
[2] - Como referência inicial para direcionar-lhe à um aprofundamento sobre o tema citarei a página sobre os estudos "ocultos" de Isaac Newton na Wikipédia (em inglês).
[3] - Artigo da Wikipédia sobre as Leis de Newton para fins práticos de acompanhamento.

Adianto-me à pedir perdão àqueles que porventura se sintam ofendidos com as afirmações, e o teor das mesmas, aqui expressas. Acredito, no entanto, que o sentido e a forma adotada para expressa-lo são adequados e que embora seja lastimável a ofensa às sensibilidades alheias, esta se faz necessária.

Em um texto recente elaborei sobre àquilo que chamam de "Místico"[1]. O labor derivado disso se chamaria, então, misticismo. Irei, então, elaborar sobre o que são, então, o Misticismo promovido pelos Misticos e certos problemas relacionados à isso.

Tal como exposto, o "místico" é o mistério relacionado à parte ainda desconhecida da Natureza de certo algo que é, para nós, familiar[2] (estou falando aqui do Universo). Os místicos, que "fazem" misticismo (o labor sobre o místico), se ocupam tão somente do "místico". Ao contrário dos Ocultistas, que tem a pretensão de estudar e, portanto, desvelar o oculto, os místicos tem como pretensão tão somente o ENVOLVIMENTO (como em "envolver-se", "cercar-se") com àquilo que é desconhecido, aquilo que é escondido, àquilo que é "místico".

Em uma analogia posso dizer que o Ocultista é como o explorador que traz uma tocha para dentro da caverna do desconhecido, ilumina o caminho por onde passa (desvela o que jaz místico, que ainda é mistério, que é desconhecido e oculto) e traça um mapa do caminho que cruzou (produz conhecimento), o místico se satisfaz (como um puro espiritualista) em simplesmente estar na caverna em meio à escuridão e andar nela sem se preocupar em levar uma tocha ou lanterna(já que satisfaz a busca do seu Espírito por felicidade). Ele mergulha em um mar de desconhecido com a pretensão de simplesmente se afogar.

A razão disso é simples: o labor do Místico envolve, justamente, o místico, o mistério, o desconhecido. Se ele desvelar isso ele não tem mais razão de ser. Ou seja, se o desvelamento do que é místico fosse o fim do Misticismo (o labor sobre o místico) ele seria auto-destrutivo. Se assim fosse então teríamos que a missão deles é deixar de existir, um propósito suicida, basicamente. O Misticismo, então, se ocupa com o que, exatamente? Ora, são espiritualistas que não tem a pretensão de conhecer, verdadeiramente, o objeto de seu ofício, tampouco de produzir conhecimento. Com essas considerações posso dizer que eles são, de fato, Crentes. O seu fim é aquele do Espiritualismo, a obtenção da felicidade, e para tal eles se familiarizam (isso não significa que eles compreendem, conhecem ou entendam) com seus diversos sistemas de crenças místicas. Crenças Místicas são crenças sobre o desconhecido e Místicos, necessariamente, tendem a "mistificar", ou seja, tornar "desconhecido" e misterioso, ao invés de tornar claro e evidente o objeto tratado. A formação de uma cadeia, ou teia, de crenças de forma à estabelecer uma "estrutura" ou "corpo" coeso se denomina "sistema". Neste caso temos um Sistema de Crenças.

Conhecendo isso partimos para uma problemática muito grande, associada, justamente, com a prática e manifestação dos Místicos e Espiritualistas que é a formação de não-enunciados, ou sentenças nulas de sentido[3]. Quando expõem suas crenças, e utilizam de outras crenças para sustentarem a crença inicial, temos um problema de uma sentença nula de verdade. Sendo a exposição completamente composta por crenças e desprovidas de um embasamento factual à única coisa que pode tornar essa exposição aceitável é crer nessa exposição. De forma que no momento que alguém duvida ou discorda dessa crença que sustenta a exposição, não crendo nela, esta exposição, simplesmente não tem mais condição de se sustentar.

O que se deriva daí, então, é uma série lamentável de táticas e subterfúgios feitos para "submeter" o indivíduo questionador à crença exposta. A formula mais comum é tentar impressionar o questionador com um volume grande de informação (informação difere de conhecimento) relacionada ao sistema de crenças do Místico. Ao ligar em cadeia crença sobre crença às vezes faz-se parecer que, de fato, há algo à ser compreendido e que a dúvida, ou questionamento, é fruto da incompreensão e desconhecimento do questionador sobre, justamente, essa exposição. Isso é falso. As pessoas que se servem desse tipo de subterfúgio são como ilusionistas, que tentam impressionar os seus espectadores para leva-los ao engano ("É realmente mágico!") para satisfazerem os seus Espíritos.

Outro exemplo de formação de sentenças nulas de sentido é quando se utilizam de termos vazios de sentido, sem significado algum, em seus enunciados acreditando que estes estão comunicando algo. Termos vagos e palavras "familiares" são empregados, novamente, na tentativa de iludir o indivíduo questionador tal como aconteceu com o reprodutor destes termos. Palavras sem sentido ou definição, que parecem verídicas e impressionantes, como  quântico(quântica), metafísico, ego e mediante um certo questionamento eu já consegui atestar que até mesmo palavras como magia, ocultismo e misticismo não eram providas de uma definição clara e coesa, sendo, então, empregadas como termos nulos de valor, servindo para absolutamente nada senão para iludir (em verdade admito que esta foi uma das razões de eu me enveredar por este caminho de pesquisa).

Esse tipo de coisa, o emprego de termos e sentenças de valor nulo, devem ser rejeitadas e afastadas pois dão continuidade à um processo que eu chamo, sem muito carinho, admito, de ciclo coprofágico. Chamo de ciclo coprofágico o processo dos indivíduos de consumirem "coisas impalatáveis" e reproduzirem-nas para que outros a consumam também. Estes outros irão, então, produzir eles próprios "coisas impalatáveis" para que outros consumam e o ciclo continua. Esse tipo de nada que é consumido por muitos, crenças vazias de sentido e significado compostas quase que exclusivamente por não-enunciados e crenças empilhadas sem um embasamento factual, é reproduzido sem nada de valor ser gerado. A crença é simplesmente consumida e expelida em um processo de infindável repetição. O grande problema disso é o nível de delírio e ilusão que àqueles que estão presos nesse ciclo sofrem. Esse delírio impede eles de perceberem a falta de sentido dos atos que eles estão tomando e os faz crer que eles estão com a razão em fazerem o que fazem. É a pior espécie possível de Espiritualismo esta que aliena o indivíduo em uma ilusão e o faz indulgenciar em atos de pouca, ou nenhuma, credibilidade e sensatez. Bordões chamativos são como o cheiro que exala do meio ao qual esses indivíduos pertencem, clamam qualidades e virtudes nobres mas que, em verdade, quando investigadas se mostram tão ilusórias e vazias de sentido como todo o resto do que é produzido e consumido neste ciclo. Como crentes, estes indivíduos presos no ciclo de consumo e repetição do ciclo coprofágico, reagem à terem suas crenças, opiniões e métodos questionados da única forma que é, para eles, possível, através, justamente, de falácias e subterfúgios, além do uso claro das emoções e da incapacidade, ou recusa (o que acredito ser pior), de observação lógica, racional e analítica.

Para aqueles que verdadeiramente buscam o buscam, o conhecimento, e não opiniões ou satisfação pessoal, é o relevante. As falácias subvertem a qualidade do debate e da investigação, subterfúgios são golpes baixos e sujos, que mais tem como fim proteger o indivíduo do que embasar ou explicar o argumento. Afastam de si a necessidade por precisão e definição nas palavras e ideias que tratam por, tão somente, não terem precisão, tampouco definição, na tentativa de enganar àqueles que caem em seus embustes[3]. Honestidade intelectual e ideológica, além de retidão e decência, são virtudes que àquele que pretende realizar, verdadeiramente, uma jornada em direção ao conhecimento precisa ter para evitar iludir e ser iludido. Para evitar os viciosos e doentios ciclos coprofágicos.

[1] - LEMOS, Hugo, A Natureza, o dito "sobrenatural" e o Místico.
[2] - LEMOS, Hugo, Meditações II - O problema da "familiaridade".
[3] - CARNAP, Rudolf, A superação da metafísica pela análise lógica da linguagem, tradução de William Steinle, do original "The Elimination of Metaphysics Through Logical Analysis of Language",
[4] - LEMOS, Hugo, Do discurso: daquilo que é impreciso àquilo que é preciso.

Irei tratar, neste texto, das questões de definir e clarear o entendimento que podemos ter daquilo que é chamado "místico" por muitos. Isso se fará por meio de um resgate e exploração do conceito. Para, no entanto, chegarmos à isso é necessário que façamos, também, uma investigação acerca do que podemos chamar de "natureza", buscando também maior clareza em seu significado. A razão para isso se revelará no decorrer do texto, por ora basta dizer que é inconcebível tratar uma coisa sem a outra.

Quando falamos da Natureza, e, por consequência, daquilo que é natural, temos muito facilmente considerações diversas acerca do objeto tratado. Mentes mais propensas à "poesia" podem conceber a Natureza como sendo o grade corpo de plantas e seres vivos que cercam e preenchem o mundo, e, talvez tolamente, conceber à Natureza certas feições antropomórficas ao chama-la de "acolhedora Mãe Natureza", isso se vê também em crentes de outros sistemas quando estes dão qualidades humanas à seus deuses de aspecto "sobre-humano", muitos "absolutos" e "incognoscíveis". Outros, de pretensões mais materialistas, creriam que Natureza é tudo àquilo que é material e não-humano no mundo. Ambas as noções, embora divirjam em fim, observam de fato a mesma coisa: a exterioridade daquilo que se julga ser a Natureza.

O Oxford Dictionaries traz duas definições que considero bastante interessantes para nossa investigação (traduzido do inglês para o português)[1]:


1. Os fenômenos no mundo físico em coletivo, incluindo plantas, animais, a paisagem e outros elementos e fatores da terra, em oposição à humanos e criações humanas.
- A força física que se supõe causar e regular os fenômenos do mundo. 
2. As características, caráter ou qualidades básicas e/ou inerentes de algo.
- As qualidades ou caráter inerente ou essencial de uma pessoa ou animal
- As qualidades a qual nascemos ou herdamos que influenciam ou determinam a personalidade. Normalmente contrastada com a "nutrição".

No primeiro termo de definição temos a descrição superficial e "material" da Natureza como sendo o conjunto de "coisas" que existem no mundo além do homem e das suas criações diretas. Não gosto muito dessa concepção que exclui a humanidade como "parte da Natureza" pois isso nos nega como indivíduos naturais, oriundos da natureza. A especificação do termo segue com a ideia de Natureza como a força "física" que é responsável por causar e regular os fenômenos(os eventos) do mundo. Isso se torna fácil de entender quando força "física" é compreendida como "física" tal como a ciência. Podemos observar, para exemplos de clarificação, as ciências ditas "naturais" como biologia, física e química, como exemplo claro dessa ideia. Considerando isso, no entanto, me sinto forçado a pensar sobre o primeiro termo e sobre nossa condição enquanto humanos. Ora, as leis físicas se aplicam sobre nós, tal como os processos químicos e biológicos, não havendo, assim, demasiada distinção de nós, humanos, do resto das coisas que permeiam o mundo. Somos "regidos" pela natureza tal como todos os outros animais. No entanto, alguém poderia pensar, ainda há a questão das nossas criações humanas, isso nos separa dos animais. Ora, para de fato isso acontecer seria necessário que animais não "criassem". Podemos conceber, de forma clara, o exemplo de uma casa construída por um humano como sendo um exemplo de "criação" humana, a qual poderia ser tomada como uma obra não-natural. Mas então o que seria o ninho do pássaro? Embora possamos dar mais valor à um que à outro não acredito ser ótimo levarmos nossa preferência pessoal como valor de desempate nessa questão. E nosso possível favoritismo poderia nos levar à considerar que a casa humana é de uma complexidade muito maior em comparação ao ninho, mas também acredito que isso é falso. Ambas, afinal, possuem níveis de complexidade adequados e a separação de uma e outra se torna, então, algo de natureza arbitrária e, portanto, sobre isso nada podemos afirmar, com certeza e verdade. Ainda na esfera de "criação" é necessário apontarmos a noção de algo intocado pelo homem enquanto algo natural. Tal como no exemplo da casa e do ninho também não podemos divergir uma alteração do homem ao meio-ambiente daquela feita por outro animal sem que caiamos em uma dicotomia resolúvel somente por, novamente, uma elaboração arbitrária. Se, e muitos poderão pensar em algo assim, houver algo que seja objecionável quanto ao ser humano enquanto animal e parte da Natureza esta seria o fato dele ter expandido seus limites, influências e poder, sobre o resto do meio natural, mas isso, ainda assim, não é o suficiente para separa-lo da Natureza e do controle (da "regência") desta sobre ele.

No segundo termo temos uma definição que considero de demasiado valor e interesse para nós: a ideia de Natureza como sendo o conjunto de elementos intrínsecos de determinada coisa. Você provavelmente já usou, muitas vezes, Natureza nesse sentido ("Eu sou irritado por natureza", "minha natureza é individualista", "é natural ao pensamento desse sistema a ideia de...", etc). Temos a ideia de "caráter" não só como "caráter humano" ("fulano é bem correto mas é meio preguiçoso...", etc.) mas também como "aspecto" ("a pedra é dura", "a água é molhada...", etc.) pertinente à determinada coisa. É importante notar que aqui podemos falar, muitas vezes, de aspectos que são derivados de crenças humanas, não sendo factuais e portanto não sendo aspectos da Natureza enquanto àquilo que afirmam, mas sim enquanto existência[2]. Além disso a noção de algo que é prévio ao indivíduo, que jaz no âmago do mesmo, e é determinante em sua "personalidade" é, também, algo de fascinante especialmente quando posto em contraponto à ideia de "nutrição", que nesse contexto tem o sentido de desenvolvimento, crescimento.

Considerando que ambas as definições tratam da mesma coisa podemos entender, com certa facilidade, o conjunto das definições de Natureza nos termos 2 com a expansão dos termos 1. Natureza, então, seria o conjunto de aspectos inerentes e essenciais de "algo" que, então, é responsável por causar e regular os fenômenos no mundo. Ora, o que seria esse "algo" então? Já que prefiro evitar falar da "realidade" e do que é "real" posso inferir somente, mas sem medo de equivocar-me, que a resposta para o que seria esse "algo" seria o Universo. Temos também a ideia de Natureza como qualidades com as quais nascemos e que influenciam em nossa "personalidade" (isso implica nas disposições[3]) e posto isso no contexto anterior podemos chegar à noção de uma "personalidade"(que deve ser entendida como "feição" ou "aspectos") para o Universo. Já que se supõe que a Natureza controla e rege os fenômenos no mundo e essa Natureza aqui tratada é a Natureza do Universo temos que o Universo orquestra seus movimentos de acordo com a volição que é natural à sua gênese e seu âmago, de acordo com a sua "personalidade inerente", tal como o indivíduo age de acordo com as suas disposições (sua natureza, sua personalidade, seu Espirito, etc). As Leis do Universo, então, são a expressão da Natureza do Universo e das "disposições" da mesma. Como somos subordinados à ele, o Universo, somos, também, regidos por suas volições, por suas Leis, tal como, e esse exemplo é expresso em muitos sistemas de crença, um filho, pois somos oriundos dele, de um pai (o Universo e de sua Natureza) que segue às suas ordens (suas Leis).

Aproveitarei o momento para notar que agora fica claro como os crentes e os poetas se deixam iludir pela ideia de uma Natureza pessoal e antropomórfica. Isso é fruto, creio, de um certo sentimentalismo romântico e da falta de compreensão dos mesmos acerca da crença e conceito por eles carregada e exposta.

Assim sendo temos agora uma maior compreensão acerca do que seria a Natureza: ela é a coleção de aspectos intrínsecos e essenciais contidos por determinada coisa não sendo, portanto, uma coisa em si. Ou seja, ela é sempre pertinente à algo (a Natureza da pedra, a Natureza da água, a Natureza do homem, a Natureza do Universo, etc). Devemos notar aqui, então, que essa ideia muitas vezes se confunde na mente dos distraídos e descuidados pois muitas vezes estes se referem à Natureza somente e acham que fazem valer algum sentido, no entanto fica claro, pelo emprego que fazem do termo, que se referem, quando falam de uma Natureza descompanhada, una, à Natureza do Universo. Podemos citar como sendo da nossa Natureza, enquanto humanos, nossas características e aspectos, assim como podemos também fazer isso acerca do Universo. E enquanto podemos falar que nós, humanos, temos, por natureza, cabelo, podemos também citar as coisas que pertencem no Universo como sendo parte de sua Natureza, tal como os animais, as plantas, as paisagens, de forma que agora, finalmente, temos um quadro completo acerca daquilo que podemos chamar de Natureza, tanto enquanto conceito como também enquanto noção aplicada ao Universo.

A partir dessa compreensão temos, então, que refletir sobre a implicação do sentido daquilo que é dito "sobrenatural". Sobrenatural implica em algo que está acima da natureza, sobre a natureza, de forma à fugir de suas "leis". No entanto sabemos agora que as Leis são a Natureza, e essas Leis ocorrem no Universo. Assim sendo temos implicações diversas para a situação cá presente. Se o Sobrenatural vai além da Natureza do Universo, e de suas Leis, então isso significa que ele, necessariamente, vai além do próprio Universo, não pertencendo à este. Assim sendo ele há de pertencer a um Universo outro. Ainda assim, neste "outro Universo" a noção de Natureza se aplicaria, pois Natureza da descrição dos elementos que compõem a existência de tal coisa, assim sendo, se não houvesse Natureza não haveria nada que compusesse a coisa e, portanto, a coisa não existiria. Com isso quero dizer: mesmo que o sobrenatural venha a existir em algum tipo de "outro Universo" este outro universo ainda assim teria, necessariamente, de possuir uma Natureza e, portanto, mesmo o "sobrenatural" seria "natural" em seu "plano nativo de existência", o lugar onde se origina. Para, então, este dito "sobrenatural" se manifestar no nosso Universo, supondo, para fins de exposição, que este exista e que exista em um outro Universo, ele ainda assim precisaria se adequar, de uma forma ou de outra, às Leis do Universo onde este se apresenta. Se essa adequação não for possível também não será possível a existência deste dito "sobrenatural" em um Universo incompatível com o mesmo. Para exemplificarmos isso pensemos em um videocassete e um DVD. É impossível que você consiga tocar uma fita de VHS em um DVD e vice-versa, os "tocadores" (os Universos) recebem determinado formato (tem determinadas Leis) e para que se consiga tocar tal fita, ou tal dvd, no outro tocador é necessário que se adapte, por exemplo, o filme (o objeto "sobrenatural") da fita (que representa o "formato", ou seja, o conjunto de Leis de tal Universo) para um formato digital adequado ao DVD. Outro exemplo seria a de um corpo d'água (o objeto) que se adéqua à forma (conjunto de Leis, a Natureza) de um determinado recipiente, um jarro (Universo). A água se adapta ao formato do jarro tal como o objeto se adéqua às Leis do Universo em que se encontra. Quando a água é levada à outro recipiente, como, por exemplo, um copo (outro Universo), ele se adequará ao novo formato (novo conjunto de Leis, nova Natureza). Se houver alguma incapacidade deste líquido se adequar, ele pode, por exemplo, estar congelado e por conta de seu formato ele não adentra o novo recipiente, não haverá, então, interação com o novo recipiente. Ainda temos a possibilidade de se o volume de água do jarro for maior do que o volume previsto pelo copo haver transbordo do líquido para que este se adeque ao recipiente e à sua forma (podemos entender isso da seguinte forma: um indivíduo, em seu plano de origem, possui certas qualidades. Ao adentrar outro plano, onde essas qualidades não são previstas, não fazem parte da Natureza do plano, o indivíduo perde essas qualidades para se adequar). Não se esqueçam que estamos lidando com suposições teoréticas aqui, a possibilidade da existência de outro Universo com outras Leis é incomprovada e não devemos toma-la como certa. Além do mais ainda há a questão de como se dá a interação entre esses dois Universos, que é, também, especulativa e incomprovada.

Assim temos que chamar algo de "sobrenatural" é um termo vazio, já que o "sobrenatural" sempre será adequado à Natureza de onde quer que esteja. Se ele pertence e repousa em determinado Universo ele está adequado às leis deste Universo, se este, de alguma forma, se manifesta em outro Universo esta manifestação, este fenômeno, será adequado, necessariamente, às Leis do Universo almejado, que ele pretende "interagir", afetar. Portanto digo que "sobrenatural" é um termo desprovido de sentido e de função, de forma que deve ser abolido. O mesmo pode ser dito de termos semelhantes como, por exemplo, "meta-física"[4].

No entanto a questão daquilo que foge à compreensão do que entendemos acerca da Natureza do Universo persiste e ainda de fato há, coisa que não posso negar, alegações, suposições, especulações e ponderações acerca de certos fenômenos naturais mas que ainda não são compreendidos, são desconhecidos. Muitas pessoas dessa área recorrem ao termo "místico" para se referirem às coisas de Natureza "sublime" (ou sutil) do Universo. Com "sublime" (ou sutil) estes querem dizer (quer saibam ou não) que isso, aquilo que é "místico", é referente aos aspectos menos evidentes, ainda ocultos e desconhecidos, da Natureza de determinada coisa. A romantização em cima da noção do "místico" é, novamente, fruto de mentes mais propensas à poesia, não sendo, necessariamente, condizente com a realidade.

A grande questão acerca do que é chamado de "místico" é o fato dele ser uma faceta, uma parcela, de algo que é familiar[5], o Universo. A coisa, o Universo, é familiar, próxima, palpável, reconhecível, mas a Natureza do Universo, os aspectos intrínsecos e essenciais do Universo, não são por inteiro conhecidos. É à essa parcela da Natureza que é desconhecida que se refere o termo "místico".


[1] - Oxford Dictionaries - Nature (em inglês)
[2] - LEMOS, Hugo, Da Crença e da Verdade
[3] - LEMOS, Hugo, Das Crenças: O Espírito
[4] - CARNAP, Rudolf, A superação da metafísica pela análise lógica da linguagem, tradução de William Steinle, do original "The Elimination of Metaphysics Through Logical Analysis of Language",
[5] - LEMOS, Hugo, Meditações III - O problema da "familiaridade"

Vejo acontecer com uma frequência gritante equívocos relacionados com a falta de sentido de certos termos e sentenças proferidos por muitos. Acredito que esse problema se deve, em grande parte, à um deslize de atenção provocado pela "familiaridade" desses termos e sentenças. Isso, no entanto, é perigoso e nos leva à sistemas vazios de sentido e significado. Se torna necessário, então, reavaliar e compreender, de forma clara e coesa, àquilo que está sendo abordado pelo seu discurso, seja mental ou expresso.

À muitos jovens, e até mesmo para aqueles mais velhos que deixam-se iludir, é comum o emprego de termos que são, para eles, familiar de alguma forma. A familiaridade se dá através da construção da palavra, que pode ser conhecida, e de um suposto significado que se dá como subentendido, mas que se revela, muito comumente, como sendo disforme e desprovido de sentido. Esses termos são comuns e de emprego cotidiano, seu sentido e significado são tomados como dados, mas justamente por isso que esse tipo de equívoco ocorre.

Muitos, ao ouvirem isso, vão buscar referências rápidas para tentarem respaldarem suas posições, frases curtas, como bordões, que, ao menos no que eles acreditam, sumarizam as definições necessárias para o entendimento do termo. Mas, novamente, isso tende à falhar também. Definições breves tendem à somente levantar mais questões, ao invés de sana-las. Afinal de contas a produção de conhecimento se trata do esboço e definição de ideias claras[1] e se fosse tão simples sumarizar ideias de natureza complexa, tal como os termos empregados por esses indivíduos, não se faria necessário pesquisas profundas, leituras metódicas e reflexões árduas. Se assim fosse, também, o desenvolvimento de conhecimento que atravessa gerações seria muito mais simples, e estaria, hoje, muito mais avançado. No entanto isso não ocorre e essa premissa é, em verdade, inválida.

Acredito que em grande parte essa ideia de "conhecimento rápido", resumido à frases de efeito pouco, ou nem sequer, refletidas e ponderadas é somente validada por Espiritualistas de pouca ambição e interesse, para além da sua satisfação própria. Conhecimento não se faz em 140 caracteres ou menos, afinal, e acreditar nisso é tender à um certo afobamento pueril. Discordar disso é menosprezar o passado e todos os seus pensadores, além de desprezar a sua própria vida e todo o processo da sua história até o momento presente, onde você se vê capaz de pensar e crer naquilo que você pensa e crê.

[1] - LEMOS, Hugo, Do discurso: daquilo que é impreciso àquilo que é preciso.

Muitos vem à questionar "como pode o ocultismo deposto de crenças?", "qual o sentido disso, já que não nos provê felicidade?", dentre outras coisas... Ainda não compreenderam a natureza da divergência sutil do Ocultismo, em seus meios e fins, para a de uma prática Espiritualista, a qual são, provavelmente, adeptos.
Antes devo ressaltar que o Ocultismo embora PAREÇA (e trago atenção à palavra "pareça" aqui posta) similar ao Espiritualismo, em certos pontos, ele é, em sua natureza, diferente. Irei explicar aqui como se dão essas semelhanças e diferenças de forma a tornar clara essa questão.

Assim como demonstrei no texto Das Crenças: O Espírito[1] temos que o conjunto de crenças que compõem e movem o indivíduo formam, em conjunto, o Espírito. O Espírito busca a sua satisfação plena, a felicidade. Assim temos que tanto um monge, que vive em contato com a natureza, quanto um cientista, que vive sua vida a pesquisar, estão, neste quadro ideal, a exercer a volição de seus Espíritos em busca da felicidade. Já que crenças não necessitam da verdade o monge não precisa justificar suas ideias de "contato com a natureza" e etc e mesmo que o cientista consiga justificar sua busca pelo conhecimento ("o conhecimento enobrece o homem", "o conhecimento melhora a vida de todos", etc) esta é, ainda assim, uma noção moral daquilo que é desejado pelo indivíduo (ele considera o "conhecimento" como sendo algo bom, isso é uma noção moral) e, portanto,  temos que no fim ambos estão seguindo àquilo que satisfaz seus Espíritos, estão, de alguma forma e em algum nível, "praticando" Espiritualismo. Mesmo no caso do cientista, que está a fazer ciência, ainda temos a ideia de um Espiritualismo presente em sua missão, a busca pelo conhecimento. Isso, no entanto, não altera a natureza da ciência que por ele é produzida de forma alguma. Nesta mesma questão temos que isso também afeta o Ocultismo. Este é movido, também, por certo conjunto de crenças e desejos que podem ser exemplificados através das noções de que "conhecimento é valoroso", da "necessidade de desvelamento dos mistérios da natureza", etc. E assim como no caso do cientista o ocultista também é movido pelo Espírito, fazendo assim Espiritualismo, de certa forma, mas também o produto de seu ofício não se mácula por conta disso (sendo o produto do ofício do cientista o conhecimento científico e o do ocultista o conhecimento claro).

Temos também a necessidade de pontuar as diferenças entre o Ocultismo e outros sistemas de crença de cunho Espiritualista. Assim como explicitado temos que o Ocultista é movido por seu desejo de desvelar o desconhecido e isso provê a ele certa felicidade. Isso é condizente com um sistema Espiritualista. No entanto a diferença crucial entre um e outro é que o fim do Ocultismo não jaz na felicidade em si, nem em noções de "iluminação", "evolução", tampouco almeja algum fim prático de "melhora de condição de vida" de seu "praticante" e muito menos se satisfaz com predileções inverídicas tomadas pelo indivíduo. O único e verdadeiro fim do ocultismo para o Ocultista é a produção de conhecimento verdadeiro e claro, assim como o fim do cientista é a produção de conhecimento científico e o fim do artista a arte.

E, no que tange Ocultismo enquanto parte do Espirito mas não sendo um sistema puramente Espiritualista, já temos essa divergência quanto ao fim, agora falemos do meio. Um sistema Espiritualista implica em um código de crenças, noções morais e etc, que NÃO É PRESENTE no Ocultismo. Enquanto um sistema Espiritualista prevê um fim prático (evolução/"iluminação", satisfação do espírito, encaminhamento da alma para alguma suposta realidade superior, etc) o Ocultismo não. O Ocultismo se propõe a produzir conhecimento claro, à desvelar mistérios, o que é feito com o conhecimento produzido pelo Ocultismo já não cabe, necessariamente, ao próprio Ocultismo. As práticas do Ocultismo só são de cunho investigativo, ferramentas e instrumentos usados para o ofício sobre outras matérias, não sendo, eles próprios, capazes de servir como um fim. Então temos que o Ocultismo é, antes de um "sistema", uma prática, um meio, para um fim determinado. A prática sendo a investigação daquilo que está oculto, e o fim a produção do conhecimento claro. Assim sendo ele não se prende aquém à dogmas, credos, opiniões e etc, não se limitando por essas coisas mas, justamente por sua natureza de cunho investigativo, se propõe a ser aplicado sobre todas essas coisas previamente citadas, penetrando-as e transcendendo-as sem se fechar, se concluir, tampouco se limitar.

Muitos, aqui então, podem se sentir, então, vazios e nus quando percebem que o Ocultismo é afastado, ou posto "acima" das crenças, de forma a não ser por elas maculado. No entanto, assim como apontei previamente[2], o Ocultista, tal como o indivíduo, se beneficia em alimentar em si a relação paradoxal entre Crença e Verdade, com cautela, clareza e uma sóbria noção de separação entre as partes. Possuindo, praticando e crendo, de um lado, em um sistema de crenças Espiritualista e no outro alimentando sua razão, seu discernimento, sua clareza e a busca imaculada pela Verdade, o Ocultismo.

Encontramos nisso, então, um certo problema: como adereçar uma crença sem tê-la? E isso pode ser resolvido com um pouco de desprendimento metódico. Para tratar de uma certa afirmação feito por tal sistema de crença é necessário que o Ocultista explicite do que ele está tratando, quem é que faz tal afirmação. (Exemplos meramente ilustrativos) Ex: "Você está com seu chakra fechado" - Enunciado pouco claro de cunho claramente Espiritualista. Para corrigirmos isso devemos explicitar às fontes. Segue: "De acordo com a ótica teosofista você parece estar com seu chakra fechado". Isso nos ajuda a entender a origem da sua perspectiva acerca de determinado tema e também entender, com maior clareza, o contexto o qual carrega a definição dos termos empregados. Assim podemos ter uma discussão factual acerca de crenças sem você carregar a crença em seus enunciados. Segue: "Ah, de acordo com autor TAL isso ocorre porque...". Pode-se discutir as origens e procedências dos sistemas de crença Espiritualista poderemos analisa-los com maior felicidade. "Mas quais as fontes desse autor? Porque isso não é condizente com o sistema TAL, que é uma fonte mais antiga e tradicional sobre o tema". Sempre que o Ocultista faz uma afirmação de cunho de crença é necessário que ele cite a sua fonte (seja um sistema como um todo, seja somente um autor) ou então explicite claramente que ele está expondo a opinião e crença dele, de forma a evitar problemas de entendimento. Quando ele, no entanto, realiza uma afirmação de cunho factual, uma afirmação verdadeira, ele PRECISA SER CAPAZ DE VALIDAR SUA POSTURA, apresentando uma justificação clara, provas e etc, que consigam comprovar seu ponto, sua afirmação.

Acredito que esta é uma exposição clara sobre o Espírito, e sua natureza, no Ocultismo.

Textos citados e indicados:
[1] - LEMOS, Hugo, Das Crenças: O Espírito
[2] - LEMOS, Hugo, Da crença e da verdade

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